O TERNO E O RÍGIDO
j.Torquato - Jardim Royal 2, Domingo - Maceió - Maio 2016.
A História de Uma geração de Mulheres que fez tão certo que
tiveram seus métodos desprezados porque não podiam manipulá-las.
Se eu pudesse voltar no tempo....
Domingo, 22 de maio de 1958.....
(Bem que pode nem ter sido um domingo, mas faça-se de conta
que um domingo próximo).
Uma
voz cantava ecoando pelos quintais da vizinhança, barulho de roupa molhada
socada contra o cimento da lavanderia, e tome Dalva de Oliveira, Dolores Duran
e até Kalú de Ângela Maria, um cheiro de sabão e roupa molhada invadia as
narinas, duas barras compridas de sabão jazia no chão a espera de uso, várias
bacias com roupas molhadas aguardava a
vez de ir para o varal, secar.
Um
olhar de criança que para tudo, novidade é, encantado com a voz, encantado com
a figura magra, articulada e sorridente. Parado me perguntava se eu também
conseguiria chorar rindo, eis que as lágrimas ainda não secara no rosto dela.
Minha
avó atrás de mim me estendia uma cocada escura, pequei e recebi a ordem de
tirar a roupa domingueira que tinha vindo da igreja e colocar calção e camiseta,
e junto com meu irmão ir para a mesa da cozinha e pegar os cadernos
"Avante Brasil", fazer os exercícios "de casa" que as
Escolas tinham passado (Explicando, nós estudávamos em duas escolas, um grupo
escolar D.Pedro II, e uma Escola Particular de D. Maria José), para não ter
horário de vagabundagem né? na parede ao lado da mesa de carvalho escura,
estava pendurado os instrumentos de tortura,hoje tão saudosamente
lembrados,instrumentos de fazer homens, instrumentos de negativar criminosos,
sejam lá estavam as palmatórias,uma cabo comprido fina, e outra de cabo curto,
grossa com um buraco no centro, ao lado os chicotes com tiras de couro e com
pontas em nó. Não estudasse para valer, que os carinhos e os sorrisos, as
cocadas, as tapiocas, os pirulitos, os piões, as brincadeiras com tijolos/trem,
e as casas na árvore do quintal já eram. Além da suspensão das coisas boas
tinha os castigos pela agravação dos crimes, ou seja,não fazer o dever de casa
correto e ainda mentir que a professora não tinha dado a matéria.
Eu
e meu irmão tinha nos encantado com os tijolinhos de madeira que construíam
castelos na escola Batista, então pegamos alguns e trouxemos para casa. Minha
mãe quando descobriu nos fez dizer de quem era, como tínhamos
"roubado" fez a vergonha de ir devolver "in loco" a proprietária,
não somente nos fazer passar a vergonha de ir conosco saber com nosso colega de
turma e nosso vizinho, o endereço de D. Terezinha, Dona e expositora dos
tijolinhos que formavam os lindos castelos. O castigo? De joelhos em cima de feijões,
nus, com cadeira de Carvalho nas respectivas cabeças, depois de lanhado nas
costas com chicotes, e ter colocado vinagre e sal nas feridas. PÔ nunca mais
nos encantamos possessivamente por nada neste mundo.
Nota,
ao sairmos do castigo,nossa avó deu-nos sopa com pão caseiro, café com leite
com nata, manteiga de garrafa e mandou-nos para cama, ao passar pelo quarto de
minha mãe, ouvimos o som desesperado de choro de minha mãe, choramos também.
No
Domingo,talvez a gente iria a praia do Sobral ou da avenida, dependendo das
atrações e do dia, se festivo a Praia da Avenida da Paz, era a mais indicada,
florida, com o cais cheio de navios emoldurando o horizonte, era a minha
preferida, até que um teco teco, sobrevoando a praia, ao aterrizar raspou a
cabeça de um banhista, matando-o instantaneamente, no caos que se seguiu, minha mãe avistou meu
pai conversando animadamente com uma linda loura. Foi lá, gritou, fez mágica de
transformar um lindo rosto, num rosto não apreciável. Meu pai riu deu o braço a
loura e se mandou sem uma palavra. Estavam separados sem aviso prévio, há mais
de 4 anos, motivo das lágrimas e músicas sentimentais ao tanque aos domingos.
Não
foi um bom domingo.
Outro
Domingo eu acordei na cama de meus avós, no fundo da casa, olhando o telhado
escuro de fumaça do fogão a lenha logo adiante na cozinha, estranhei porque nem
mesmo acordado eu ia no quarto de meus avós. Logo o rosto assustado de minha
mãe, lindo como nunca, ficou acima do meu no meu campo de visão perguntando se
eu estava bem, se estava sentindo alguma coisa. Eu estava estranho, alguma
coisas estava diferente em mim, havia uma leve pulsação na minha testa e atrás
da cabeça, no mais eu estava bem e disse que estava bem. Logo minha avó surgiu
com um chá fumaçando, obrigando a queimar a língua. Ai fiquei sábado que não
era o primeiro despertar daquele domingo, eu já tinha me acordado antes, tinha
ido a missa na Igreja das Graças, tinha trocado de roupa por um calção e uma
camisa e fui para rua soltar "Arraia" (papagaio, em alguns lugares),
andando para trás para ter visão do objeto no ar, tropecei na tampa de ferro do
serviço de água e cai de costas batendo forte coma cabeça no paralepípedo da
rua. Que dia mais esquisito!!!! o dia todo eu fiquei esquisito, fomos a praia
do Trapiche desta feita com minhas tias que moravam na Vila dos Comerciários e
minha mãe de short ridículo amarelo eu descalço na calçada do cemitério novo,
estava torrando meu solado, minha mãe nem percebia o sofrimento de queima
infernal, sandálias do diabo que eu estava calçando naquela calçada. Entretida
com as novidades que minhas tias repassavam sobre JK e Brasília, nova cidade do
Brasil, Bossa Nova e etc. Eu preferiria discutir a nossa seleção com meu irmão
Val, mas o cara era vascaíno de difícil entendimento.
O
Rádio em cima do guarda roupas era um Phillips preto com visor em cima
inclinado, chiava na Marink Veiga, ou na Globo onde Valdir Amaral cantava o
jogo do Vasco contra o Bota Fogo de Mané Garricha, eu que daria a minha vida para
estar na geral do Maracanã, vivendo a vida e vendo a coreografia do Mané, não
entendia como uma pessoa podia ser Vascaíno com Santos e Botafogo brotando
Pelé, Mengálvio, Coutinho, Mané Garrincha. Mesmo assim nunca fui Santos.
Quando
Carequinha cantava "O Bom Menino" e as freiras da Rádio Educadora
Palmares de Alagoas, anunciava o fim do programa infantil, nós sabíamos que não
haveria mais histórias do Chapeuzinho Vermelho e era hora de ir para cama mesmo
sem sono. Enquanto na cozinha minha avó entretinha seus convidados com
histórias de horror caseiro, meu avó tinha ido ao cine Ideal assistir algum
filme legendado já que era "curto das oiças" como dizia minha avó,
entenda-se como meio surdo. Na volta certamente estaria de cadeiras na calçada
à porta de casa, abraçado com minha Avó D. Vina, em permanente estado de amor.Minha
mãe estaria estudando a noite depois de um dia de 12 a 14 horas de trabalho em
diversas ocupações e empresas. Depois que fez o concurso dos Correios e tirou
em Primeiro Lugar no Brasil, ela só ficou com dois empregos em contabilidade,
estudava só taquigrafia, e telegrafia, estudava História e dava aulas à noite,
e não me perguntem como ela conseguia isso, basta dizer que era uma MULHER DE
SUA ÉPOCA, Desquitada, esforçada, honesta, sendo discriminada pela sua condição
matrimonial, até a igreja proibia de ela entrar no recinto sagrado. E Ela que
nunca teve culpa por meu pai ter simplesmente sumido, chorava religiosamente,
rezando como fez até há pouco tampo antes do Alzaimer se apoderar de sua vida
total e irrestritamente. Nunca deixou que a ignorância de uma sociedade,
afastasse ela de Deus nem sua fé foi abalada pela injustiça debochada da igreja
e da sociedade puritana e patética.
Minha
rainha ainda vive, enclausurada mentalmente pela doença, ela vive pulsante em
nossos corações enquanto nós vivermos, conseguiu dentro de uma sociedade
tacanha, fazer homens com a justiça materna dura e terna. Que a sociedade que hoje
abranda os castigos aos jovens infratores e fazem da liberalidade uma bandeira
chorosa de perversão dos jovens,. se espelhem nas mulheres que criaram seus
filhos para o bem, usando métodos hoje condenados, mas que mostraram sua
eficácia na educação cristã verdadeira, nada é cruel vindo de uma mãe terna e
rígida.